quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Uma figura de linguagem ou uma figura de pensamento? * - Parte 1

O texto apresentado consiste na primeira parte da tradução de um dos ensaios de A. K. Coomaraswamy mais referenciados por autores tradicionalistas/perenialistas contemporâneos que se debruçam sobre temas como a arte e o simbolismo. Não é demais relembrar que esta individualidade, a par com R. Guénon e F. Schuon, formou a tríade daqueles que foram os mais importantes autores de escritos alinhados com o padrão de pensamento perenialista/tradicionalista no sec. XX. A presente tradução baseia-se no texto editado pelo filho do autor (R. P. Coomaraswamy) e publicado na obra The Essential Ananda K. Coomaraswamy em 2004 pela World Wisdom, que por sua vez referencia os escritos originais do autor Figures of Speach or Figures of Thought: Collected Essays on the Traditional or “Normal” View of Art (Londres: Luzac, 1946) e publicações como Coomaraswamy 1: Selected Papers, Traditional Art and Symbolism (ed. Roger Lipsey, Princeton: Bollingen Series, Princeton University, 1977) e The Door rand the Sky: Coomaraswamy on Myth and Meaning (ed. Rama P. Coomaraswamy, Princeton: Bollingen Series, Princeton University, 1997).


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“Egô de techên ou kâlo, ho an ê alogon pragma.”
Platão, Górgias, 465A[i]

Somos um povo peculiar. Digo isto relativamente ao facto de, apesar de quase todos os outros povos terem chamado à sua teoria da arte ou da expressão uma “retórica” e de terem considerado a arte como uma forma de conhecimento, nós termos inventado uma “estética” e considerarmos a arte como um tipo de sensação.

O original Grego da palavra “estética” significa percepção pelos sentidos, especialmente pela sensação. A experiência estética é uma faculdade que partilhamos com os animais e os vegetais, e é irracional. A “alma estética” é aquela parte da nossa constituição psíquica que “sente” as coisas e que lhes reage: por outras palavras, é a nossa parte “sentimental”. Identificar a nossa abordagem à arte com a prossecução destas reacções não é tornar a arte “bela” mas apenas aplicá-la à vida do prazer e desconectá-la das vidas activa e contemplativa.

A nossa palavra “estética” toma assim como adquirido o que é actual e comummente aceite, isto é, que a arte é evocada por emoções e que tem como fito a expressão e evocação dessas emoções. A este respeito, Alfred North Whitehead observava que “o modo de excitar emoções em favor delas próprias foi uma descoberta tremenda”.[ii] Chegámos ao ponto de inventar uma ciência dos nossos gostos e desgostos, uma “ciência da alma”, a psicologia, e substituímos a concepção tradicional da arte, como uma virtude intelectual e como beleza pertencente ao conhecimento, por meras explicações psicológicas.[iii] A nossa actual indignação quanto ao significado da arte é tão forte como a implicação da palavra “estética”. Quando nos referimos a uma obra de arte como “significante” tentamos esquecer que esta palavra apenas pode ser usada se seguida de um “de”, que a expressão apenas pode ser significante de alguma tese que estava para ser expressa, e negligenciamos que o que quer que seja que não significa algo é, literalmente, in-significante. Na verdade, se toda a finalidade da arte fosse “expressar emoções,” então o grau da nossa reacção emocional seria a medida da beleza e todo o juízo seria subjectivo, já que não pode haver disputa alguma sobre gostos. Dever-se-ia recordar que uma reacção é uma “afecção” e que toda a afecção é uma paixão, ou seja, algo sofrido e padecido passivamente, e não uma actividade da nossa parte – como numa operação de juízo.[iv] Igualar o amor pela arte com um amor por sensações sublimes é fazer das obras de arte uma espécie de afrodisíaco. As palavras “contemplação estética desinteressada” são uma contradição de termos e são completamente desprovidas de sentido.

“Retórica”, cujo original Grego significa perícia no discurso público, implica por outro lado uma teoria da arte qual expressão efectiva de teses. Existe uma grande diferença entre o que se diz visando o efeito e o que se diz ou se faz para que seja efectivo, e que tem que funcionar, ou não mereceria ser dito ou feito. É verdade que existe uma suposta retórica da produção de “efeitos”, tal como existe uma suposta poesia que consiste apenas de palavras emotivas, e um tipo de pintura que é meramente espectacular; mas este tipo de eloquência que faz uso das figuras [de linguagem] em favor das próprias figuras, ou simplesmente para que o artista se exiba, ou para trair a verdade nos tribunais da lei, não é propriamente retórica, mas antes sofística ou a arte da adulação. Entendemos “retórica”, qual Platão e Aristóteles, como “a arte de dar efectividade à verdade”.[v] Por conseguinte, a minha tese será aquela em que se nos propusermos usar ou compreender quaisquer obras de arte (com a possível excepção dos trabalhos contemporâneos, os quais podem ser “ininteligíveis”[vi]), deveríamos abandonar o termo “estética” tal como é empregue actualmente e regressar ao da “retórica”, o “bene dicendi scientia” de Quintiliano.

Aqueles para quem a arte não é uma linguagem mas antes um espectáculo podem objectar que a retórica está primeiramente relacionada com eloquência verbal e não com a vida das obras de arte em geral. Não estou seguro que mesmo tais objectores concordariam em descrever as suas próprias obras como mudas ou ineloquentes. De qualquer modo, devemos afirmar que os princípios da arte não se alteram pela variedade de materiais com que o artista trabalha – materiais tal como o ar vibrante no caso da música ou da poesia, a carne humana no palco, ou a pedra, o metal ou a argila na arquitectura, na escultura ou na cerâmica. Tão pouco um material poderá ser considerado mais belo do que outro; não se pode fazer uma espada de ouro melhor do que uma de aço. Na realidade, o material em si, sendo relativamente desprovido de forma, é relativamente feio. A arte implica uma transformação do material, a impressão de uma nova forma no material que teria estado mais ou menos desprovido dessa forma; e é precisamente neste sentido que a criação do mundo a partir de uma matéria completamente desprovida de forma é chamada de “obra de adornamento”.

Existem boas razões para o facto de que a teoria da arte tenha sido genericamente expressa em termos da palavra falada (ou secundariamente, escrita). Em primeiro lugar, é “através de uma palavra concebida no intelecto” que o artista, quer seja humano ou divino, trabalha.[vii] De novo, aqueles cuja própria arte era verbal, tal como no meu caso, discutiam naturalmente a arte da expressão verbal, enquanto os que trabalhavam com outros materiais também não eram necessariamente peritos na formulação “lógica”. E finalmente, a arte de falar pode ser melhor compreendida por todos do que pode a arte do ceramista, permitamo-nos dizer, já que todos os homens fazem uso da fala (quer retoricamente para comunicar um significado ou sofisticamente por exibicionismo), mas relativamente poucos são os que trabalham a argila.

Todas as nossas fontes estão conscientes da identidade fundamental de todas as artes. Platão, por exemplo, faz notar que “o perito, que está concentrado no melhor quando fala, certamente não falará aleatoriamente, mas com um fim em vista; ele é precisamente como aqueles outros artistas, os pintores, construtores, carpinteiros, etc.”;[viii] e de novo, “a produção de todas as artes são tipos de poesia, e os seus artesãos são poetas”,[ix] no sentido lato da palavra. “Demiurgo” (dêmiourgos) e “técnico” (technitês) são as palavras Gregas comuns para “artista” (artifex). Platão inclui sobre estas denominações não apenas poetas, pintores e músicos, mas também arqueiros, tecedores, bordadores, ceramistas, carpinteiros, escultores, agricultores, doutores, caçadores, e sobretudo aqueles cuja arte é governar; Platão fez apenas distinção entre a criação (dêmiourgia) e o mero trabalho (cheirourgia), entre a arte (technê) e indústria sem arte (atechnos tribê).[x] Todos estes artistas são infalíveis, na medida em que são verdadeiramente fazedores e não meramente industriosos, na medida em que são musicais e por conseguinte sábios e bons, e na medida em que estão na posse da sua arte (entechnos, cf. entheos) e que são governados por ela.[xi] O significado primário da palavra sophia, “sabedoria”, é o de “perícia”, assim como o Sânscrito kausalam é uma “perícia” de qualquer tipo, tanto no fazer, como no agir ou no conhecer.

Agora, para que servem todas estas artes? Sempre e apenas para suprimir uma necessidade ou uma deficiência, real ou imaginada, por parte do patrono humano, para quem o artista trabalha como consumidor colectivo.[xii] Quando trabalha para si mesmo, o artista, na qualidade de ser humano, é também um consumidor. As necessidades que a arte deve servir podem aparentar ser materiais ou espirituais mas, tal como insiste Platão, esta é uma e a mesma arte – ou uma combinação de ambas as artes, prática e filosófica – que tanto deve servir o corpo como a alma para que seja admitida na Cidade ideal.[xiii] Poderemos ver na actualidade que a intenção de servir os dois fins de forma separada é um sintoma peculiar da nossa “falta de coração” moderna. A nossa distinção entre arte “bela” e “aplicada” (ridícula, já que a bela arte ela mesma é aplicada para dar prazer) é como se “não só de pão”[xiv] significasse “de bolo” para a elite que vai às exibições e “só de pão” para a maioria, e habitualmente para todos. A música e a ginástica de Platão, as quais correspondem ao que parecemos apreender por arte “bela” e “aplicada” (uma vez que uma é para a alma e a outra para o corpo), nunca estão divorciadas na sua teoria da educação; seguir apenas uma conduz à afeminação, seguir apenas a outra, à brutalidade; o terno artista não é mais homem do que o possante atleta; a música deve ser realizada nas graças corporais, e o poder físico deveria apenas ser exercitado em moção moderada, e não em violenta.[xv]

Seria supérfluo explicar quais são as necessidades materiais a serem servidas pela arte: necessitamos apenas relembrar que uma censura daquilo que incumbe ou não ser feito deveria corresponder ao nosso conhecimento sobre o que é bom ou mau para nós. É obvio que um governo sábio, mesmo um governo dos livres para os livres, não pode permitir a manufactura e a venda de produtos que são necessariamente nocivos, por muito rentável que essa manufactura possa ser para aqueles cujo interesse é o de vender, mas importa insistir naquelas normas de vivência para assegurar aquela que foi outrora a função dos grémios e do artista individual “inclinado pela justiça, que rectifica a vontade, para fazer o seu trabalho fielmente”.[xvi]

Relativamente ao fim espiritual das artes, aquilo que Platão diz é que estamos dotados pelos deuses com a visão e a audição, e que a harmonia “foi dada pela Musas àquele que consegue fazer uso delas intelectualmente (meta nou) e não, tal como se supõe nos dias de hoje, como um auxílio ao prazer irracional (hêdonê alagos), mas para apoiar a revolução interior da alma, para lhe restabelecer a ordem e em conformidade com ela própria. E devido ao desejo de medida e à carência de graça na maioria de nós, o ritmo foi-nos dado pelos mesmos deuses e com os mesmos fins”;[xvii] e enquanto a paixão (pathé) evocada por uma composição de sons “fornece um prazer-dos-sentidos (hêdonê) ao desinteligente, (a composição) confere no inteligente aquele consolo no coração que é induzido através da imitação da harmonia divina produzida nas moções mortais.”[xviii] Este último deleite ou contentamento que é experienciado quando participamos no festim da razão, o qual é também uma comunhão, não é uma paixão mas antes um êxtase, um sair fora de nós mesmos e um permanecer no espírito: uma condição insusceptível de análise, em termos de prazer ou dor, que possa ser sentida por corpos ou almas sensitivos.

O eu anímico ou sentimental deleita-se nas superfícies estéticas das coisas naturais ou artificiais, com as quais se assemelha; o eu intelectual ou espiritual aprecia a ordem destas coisas e é nutrido pelo que, naquelas coisas, a ele se assemelha. O espírito é uma entidade mais meticulosa do que sensitiva; não saboreia as qualidades físicas das coisas mas antes aquilo a que se chama o perfume ou o aroma dessas coisas, não uma forma sensível mas uma forma inteligível, por exemplo “a imagem que não está nas cores” ou “a música inaudível”. O “consolo no coração” de Platão é o mesmo que aquela “beatitude intelectual” que a retórica Indiana vê no “saborear do aroma” de uma obra de arte, uma experiência imediata, congenérica com o saborear de Deus.[xix]

Por conseguinte, isto não é de modo algum uma experiência estética ou psicológica, já que implica aquilo a que Platão e Aristóteles chamavam de katharsis, e uma “derrota das sensações do prazer” ou dor.[xx] A katharsis é uma purga e purificação sacrificial ”que consiste na separação da alma do corpo, na medida em que tal é possível”; é, noutras palavras, um tipo de morte, aquele tipo de morte a que é dedicada a vida do filósofo.[xxi] A katharsis Platónica implica um êxtase, ou um “apartar” do eu próprio, energético, espiritual e imperturbável, relativamente ao eu próprio, passivo, estético e natural, implica um “ser fora de si mesmo” que é um ser “no seu juízo correcto” e um Eu próprio real, essa “in-sistência” que Platão tem em mente quando “desejaria de novo nascer interiormente em beleza” e chama a isto uma oração bastante.[xxii]

Platão repreende o seu amadíssimo Homero por atribuir aos deuses e aos heróis paixões excessivamente humanas e pela perícia nas imitações destas paixões, que são tão bem calculadas, a ponto de suscitar as nossas próprias “sim-patias”.[xxiii] A katharsis da Cidade de Platão não se efectua por exibições tais como estas, mas antes pela banição de artistas que se permitem imitar todo o tipo de coisas, por mais vergonhosas que sejam. Os nossos próprios novelistas e biógrafos teriam sido os primeiros a partir, enquanto que entre os poetas modernos não é fácil pensar noutro que não William Morris como um que Patão pudesse ter aprovado com sinceridade.

A katharsis da Cidade tem paralelo com a do indivíduo; as emoções estão tradicionalmente ligadas com os órgãos de evacuação, precisamente porque as emoções são resíduos. É difícil ter a certeza sobre o significado exacto da bem conhecida definição de Aristóteles, em cuja tragédia “através da sua imitação de piedade e medo efectiva a katharsis destes e das paixões idênticas,[xxiv] apesar de estar claro que também para Aristóteles a purificação é a das paixões (pathemâta); devemos ter presente que para Aristóteles, a tragédia é contudo e essencialmente uma representação de acções, e não de carácter. Certamente que não é um “soltar” esporádico de – que é o mesmo que dizer, indulgência em – emoções “reprimidas” que poderá conduzir à emancipação das mesmas; um soltar como este, tal como a ebriedade de um ébrio, pode apenas ser uma situação temporária.[xxv] Naquilo a que Platão chama com aprovação o tipo de poesia “mais austero”, presume-se que estamos a desfrutar de um banquete de razão em vez de um “pequeno-almoço” de sensações. A sua katharsis é um êxtase ou uma libertação da “alma imortal” relativamente às afeições do “mortal”, uma concepção de emancipação que tem paralelo estreito nos textos Indianos, em que a libertação se realiza por um processo de “sacudir-se os corpos”.[xxvi] O leitor ou o espectador da imitação de um “mito” é raptado da sua personalidade habitual e passiva e, tal como em todos os outros rituais sacrificiais, torna-se um deus enquanto dura o rito e regressa apenas a ele próprio quando o rito capitula, quando a epifania está no seu término e a cortina cai. Devemos recordar que todas as operações artísticas eram originalmente ritos, e que o propósito do rito (tal como a palavra teletê implica) é sacrificar o homem antigo e fazer ser um homem novo e mais perfeito.

Podemos então imaginar facilmente aquilo que Platão, expondo uma filosofia da arte que não “lhe pertence”, mas que é intrínseca à Filosofia Perene, teria pensado sobre as nossas interpretações estéticas e do nosso contentamento para com a noção de que o fim último da arte é simplesmente o de agradar. Pois, como Platão diz, “o ornamento, a pintura, e a música feitos apenas para dar prazer” são apenas “brinquedos”.[xxvii] O “amante da arte” é, por outras palavras, um “playboy”. Admite-se que a maioria dos homens julga a arte pelo prazer que proporcionam; mas em vez de se afundar a um tal nível, Sócrates diz não, “nem que todos os bois e cavalos e animais do mundo, pela sua prossecução do prazer, proclamem que tal é o critério”.[xxviii] O tipo de música que Platão aprova não é uma música multifária e alterável, mas antes uma música canónica;[xxix] não o som de instrumentos “poli-harmónicos”, mas a simples música (haplotês) da lira acompanhada pelo cântico “concebido deliberadamente para produzir na alma aquela sinfonia de que temos estado a falar”;[xxx] não a música de Marsyas o Sátiro, mas aquela de Apolo.[xxxi]



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* Quintiliano IX.4.117, “Figura? Quae? Cum orationis, turn etiam sententiae?” Cf. Platão, Républica 601B.
[i] “Não posso dar justamente o nome de ‘arte’ a algo irracional.” Cf. Leis 890D, “A lei e a arte são filhos do Intelecto” (nous). A sensação (aisthêsis) e o prazer (hêdonê) são irracionais (alogos, ver Timeu 28A, 47D, 69D). Em Gorgias, o irracional é aquilo que não pode dar conta de si mesmo, aquilo que é irrazoável, que não tem raison d’être. Ver também Fílon, Legum Allegoriarum I.48, “Porquanto a relva é o alimento dos seres irracionais, também os sensivelmente-perceptíveis (to aisthêton) foram destinados à parte irracional da alma.” Aisthêsis é tão somente o que os biólogos agora chama de “irritabilidade”.
[ii] Citado com a aprovação de Herbert Read, Art and Society (Nova Iorque, 1937), p. 84, de Alfred North Whitehead, Religion in the Making (Nova Iorque, 1926).
[iii] Sum. Theol. I-II.57.3c (a arte é uma virtude intelectual); I.5.4 ad 1 (a beleza pertence ao cognitivo, não à faculdade apetitiva).
[iv] “Patologia … 2. O estudo das paixões ou emoções” (The Oxford English Dictionary), 1933, VII, 554). A “psicologia da arte” não é uma ciência da arte mas sim da forma como somos afectados pelas obras de arte. Uma afecção (pathêma) é passiva; fazer ou agir (poiêma, ergon) é uma actividade.
[v] Ver Charles Sears Baldwin, Medieval Retoric and Poetic (Nova Iorque, 1928), p. 3, “Uma arte de discursar verdadeira que não se apoie na verdade não existe e nunca existirá” (Fedro 260E; cf. Górgias 463-465, 513D, 517A, 527C, Leis, 937E).
[vi] Ver E. F. Rothschild, The Meaning of Unintelligibility in Modern Art (Chicago, 1934), p. 98. “A maldição dos feitos artísticos foi a alteração do visual como um meio de compreensão do não-visual para o visual como um fim em si mesmo e a estrutura abstracta das formas físicas como a transcendência artística pura do visual … uma transcendência completamente estranha e ininteligível para o homem médio [sc. normal] (F. de W. Bolman, criticando a obra de E. Kahler Man the Measure, em Journal of Philosophy, XLI, 1944, 134-135; itálico meu).
[vii] Sum. Theol. I.45.6c, “Artifex autem per verbum in intellectu conceptum et per amorem suae voluntatis ad aliquid relatum, operator”; I.14.8C, “Artifex operatur per suum intellectum”; I.45.7C, “ Forma artificiati est ex conceptione artificis“. Ver também São Boaventura, Il Sententiarum I-1.1.1 ad 3 e 4, “Agens per intellectum producit per formas”. Informalidade é fealdade.
[viii] Górgias 503E.
[ix] Simpósio 205C.
[x] Ver, por ejemplo, O Estadista 259E, Fedro 260E, Leis 938A. A palavra tribê significa literalmente “um polimento” [a rubbing], e é um equivalente exacto da nossa expressão moderna “um desgastar” [a grind] (Cf. Hipócrates, Fracturas 772,”vergonhoso e sem arte”, e as palavras “indústria sem arte é brutalidade” de Ruskin. “Para todos os povos bem governados há um trabalho de que cada homem fica encarregue e que ele deve executar” (República 406C). O “lazer” é a oportunidade de fazer este trabalho sem interferência (Républica 370C). Um “trabalho por lazer” é um que requer atenção indivisa (Eurípedes, Andrómaca 552). A visão de Platão sobre o trabalho em nada difere da de Hesíodo, o qual diz que o trabalho não é nenhum opróbrio mas que é a melhor dádiva dos deuses ao homem (Os Trabalhos e os Dias 295-296). Sempre que Platão desaprova as artes mecânicas, fá-lo relativamente aos tipos de trabalho que providenciam exclusivamente o bem estar corporal e que não providenciam em simultâneo alimento espiritual; Platão não relaciona a cultura com o ócio.
[xi] República 342 BC. O que é feito segundo a arte é feito correctamente (Alcibíades 1.108B). Seguir-se-á que aqueles que estão na possa de e que são governados pela sua arte e não pelos seus próprios impulsos racionais, os quais anseiam por inovação, operarão do mesmo modo (República 349-350, Leis 660B). “A arte tem fins fixos e meios de operação apurados” (Sum. Theol. II-IIII.47.4 ad 2, 49.5 ad 2). É desta mesma forma que um oráculo, falando ex cathedra, é infalível, mas não o homem que fala por ele mesmo. Isto é igualmente verdade no caso de um guru.
[xii] República 396BC, O Estadista 279CD, Epinome 975C.
[xiii] República 398A, 401B, 605-607, Leis 646C.
[xiv] Deut. 8:3, Lucas 4:4.
[xv] República 376E, 410A-412A, 521E-522A, Leis 673A. Platão sempre tem presente a obtenção do “melhor” para o corpo e para a alma, “já que não é bom, nem inteiramente possível, que qualquer tipo possa ser deixado só, puro e isolado” (Filebo 63B; República 409-410). “O único meio para a salvação destes males não é nem o exercitar da alma sem o corpo, nem do corpo sem a alma” (Timeu 88B).
[xvi] Sum. Theol. I-II.57.3 ad 2 (baseado na visão de justiça de Platão, que incumbe a cada homem o trabalha para o qual ele está naturalmente apto). Nenhuma das artes visa o seu próprio bem, mas apenas o do patrão (República 342B, 347A), o qual reside na excelência do produto.
[xvii] Timeu 47DE; cf. Leis 659E, no cântico.
[xviii] Timeu 80B, parafraseado em Quintiliano IX.117, “docti rationem componendi intelligunt, etiam
indocti voluptatem”. Cf. Timeu 47, 90D
[xix] Sâhitya Darpana III.2-3; cf. Coomaraswamy, The Transformation of Nature in Art, 1934, pp.
48-51.
[xx] Leis 840C. Sobre a katharsis, ver Platão, Sofista 226-227, Fedro 243AB, Fédon 66-67, 82B, Républica 399E; Aristóteles, Poética VI.2.1499b.
[xxi] Fédon 67DE.
[xxii] Fedro 279BC; tal como Hermes (Lib XIII.3,4, “Passei para fora de mim mesmo”, e Chuang-Tzu,
cap. 2, “Hoje enterrei-me a mim mesmo”. Cf. Coomaraswamy, “On Being in One’s Right Mind”, 1942.
[xxiii] Républica 389-398.
[xxiv] Aristóteles, Poética VI.2.1449b.
[xxv] O homem estético é “um que é demasiado fraco para enfrentar o prazer e a dor” (Républica 556C). Se pensarmos na impassibilidade (apatheia), não como o que nos referimos como “apatia” mas como sendo superior aos impulsos do prazer e da dor; cf. BG II.56 com horror, isto é porque deveríamos estar “indispostos a viver sem fome e sem sede ou afins, se não pudéssemos também sofrer (paschô, sânscrito bâdh) as consequências naturais destas paixões,” os prazeres de comer e beber e disfrutar belas cores e sons (Filebo 54E, 55B). A nossa atitude para com os prazeres e as dores é sempre passiva, se não verdadeiramente masoquista. Cf. Coomaraswamy, Time and Eternity, 1947, p. 73 e notas.
É muito claro na Républica 606 que o deleite numa tempestade emocional é exactamente o que Platão não entende por katharsis; uma tal indulgência apenas favorece os próprios sentimentos que se tentam suprimir. Um paralelo perfeito pode ser encontrado em Milinda Pañho (Mil, p. 76), pergunta-se, sobre as lágrimas derramadas pela morte de uma mãe ou derramadas pelo amor da Verdade, qual delas pode ser chamada de “cura” (bhesajjam) – ou seja, para a mortalidade do homem – e é assinalado que as primeiras são febris, as últimas frias, e é o que é frio que cura.
[xxvi] JUB III.30.2 e 39.2; BU III.7.3-4; CU VIII.13; Svet. Up. V.14. Cf. Fédon 65-69.
[xxvii] Estadista 288C.
[xxviii] Filebo 67B.
[xxix] Républica 399-404; cf. Leis 656E, 660, 797-799.
[xxx] Leis 659E; ver também nota 86 abaixo
[xxxi] Républica 399E; cf. Dante, Paraíso 1.13-21.

*** Parte 2 ***

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